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Meu Boi... Nosso Patrimônio Cultural


NOSSO OBJETIVO É PESQUISAR, DIVULGAR E ORGANIZAR AÇÕES DO FOLQUEDO DO BOI DE REIS NO RIO GRANDE DO NORTE. BUSCANDO NESSES GRUPOS A SUA ORIGINALIDADE E CONTINUIDADE. O BOI DE REIS NO RN DEVE SER INVESTIGADO, INSTIGADO, RECONHECIDO E INCENTIVADO POR TODO O BRASIL COMO TRADIÇÃO NACIONAL.


Minha Santa Madalena, virgem dos cabelos loiros...

Minha Santa me ajude na massa do pão criolo...

Ai Juvelina, que é seu Juvenal

É hora de tirar leite meu garrote quer mamá

Balança que pesa ouro num pesa todo metal

A moça chupa laranja de baixo do laranjal...


segunda-feira, 30 de maio de 2011

Boi de Reis de Manuel Marinheiro




O GRANDE MESTRE MANUEL MARINHEIRO



O Mestre Manuel Marinheiro é o símbolo de uma época de ouro do folclore potiguar e de sua luta para não cair no esquecimento. Nascido Manuel Lopes Galvão, na fazenda Morena, em Goianinha, 63 quilômetros de Natal, já tinha na família uma tradição de mestres em boi-de-reis. Seu pai, João Lopes Galvão Filho, herdou do próprio pai a brincadeira. “E meu avô, do pai dele...”, diz. Como os participantes do folguedo são conhecidos como a “maruja”, o termo Marinheiro logo virou sobrenome da família. Devido a família não ter as melhores condições fi nanceiras, seu Manuel foi criado pelo padrinho, Mario Raposo Bandeira, em Natal. “Meu padrinho era doutor, engenheiro e comandante do Cais do Porto”, diz com orgulho. Nos fins de semana, corria para Goianinha para brincar no boi.
Assim, quando ganhou o título de mestre das mãos de seu irmão mais velho, Zé Marinheiro, deixou de ser Lopes Galvão para ser só Manuel Marinheiro. “Meu irmão viu que eu era muito interessado, que sabia as cantigas todas, e resolveu passar o boi para mim” Dessa época, seu Manuel guarda boas recordações. “Certa feita, a turma ia se apresentar num festival nacional de folclore, era minha primeira viagem de avião. Nas comemorações, na noite anterior, soltaram um rojão que acabou incendiando o galpão do ‘De Pé no Chão...’ onde estavam todas as indumentárias do boi. O jeito foi viajarmos só com o bambelô. Nem dormimos na noite da viagem, fazendo aquela fuzarca no aeroporto. Quando chegamos no Encontro, em Porto Alegre, tinha grupo de todo canto, cada um tinha meia hora de apresentação. Éramos os últimos. Subia cada grupo bonito, com umas moças que dançavam em roda, como se fosse um botão de rosa, a coisa mais linda do mundo. A gente pensava: ‘vamos passar é vergonha’. Que nada. Quando subiu o bambelô, que tinha 32 pessoas, e começamos a cantar: ‘O meu Natal, oh mano/Ô que terra beleza/Lá ficou Paulo Afonso/Alumiando a pobreza’, o povo quase não deixa agente descer do palco”. Naquele tempo a cidade fervilhava de grupos folclóricos.
“Quando trabalhei na Federação das Artes, que me lembro, tinha seis bambelos, o Araruna, três cheganças, três lapinhas, três fandangos, o Camaleão, o Acoã, três pastoris, além das escolas de samba e dos grupos de capoeira”, relata. Seu grupo tinha uns 20 marujos, mas depois diminuiu para 16. Os músicos que acompanhavam, na época, tocavam violino (rabeca), surdo (zabumba), pandeiro, triângulo. “Na época de meu pai tinha até sanfona. O grupo começava a se apresentar às 7 da noite e vinha caminhão de gente. O boi ia até duas, três da manhã, depois entrava o forró e amanhecia o dia, 7 da manhã, na festa”. Por volta de 1966, a irmã de criação, pesquisadora Mizabel Pedroza, autora do livro Folclore do Brasil, decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro, levando-o consigo. “Fui para passar só seis meses, acabei ficando dez anos”. Trabalhou como porteiro, encanador, “faz-tudo”. Conheceu Odaíza, casou e, seis meses após a cerimônia, resolveu voltar para Natal. “Eu sonhava dançando o boi-de-reis. E queria mostrar para Iza como era”. Quando voltou, tudo havia mudado. O grupo, que deixara ativo, encontrava-se fechado já havia algum tempo. O pessoal quando soube que ele tinha voltado caiu em cima. Logo, já estava reunindo uma turma e voltando a ensaiar. “A gente saiu pelos interiores, passamos uns seis meses. Era ensaiando e se apresentando ao mesmo tempo”, afirma.
Não era comum que mulheres participassem da brincadeira. “Eu resolvi acabar com isso, por que era uma besteira muito grande. Antigamente, as damas eram meninos vestidos de moça, e a rapaziada não queria mais se vestir de mulher, por causa da chacota”. Dona Iza acabou se transformando na espinha dorsal do boi, assumindo a confecção das roupas e fantasias.....
Quando o pessoal me pergunta (por que danço o boi-de-reis), digo que foi uma herança que meu pai me deixou e eu tomei conta disso. No tempo de eu moço, para mim era o maior divertimento, eu nunca tive o esporte de beber, de jogar, de fumar. Meu esporte toda vida foi dançar”
 
 
 
 
Reportagem de Alex de Souza para a Revista Preá N° 01, Maio 2003
 
 

 







 

terça-feira, 10 de maio de 2011

Mestre Lucas (in memoriam)




ENTREVISTA - DEÍFILO GURGEL

“Grupos do RN precisam de ajuda”

Além de Dona Militana temos grandes mestres do folclore potiguar vivendo à míngua. O que pode ser feito? A Lei do Patrimônio Vivo seria uma solução?
Temos muitos, como o Congo de Calçola do mestre Zé Corrêa, na Vila de Ponta Negra. Mas o Congo mais bonito que já vi no Rio Grande do Norte foi de São Gonçalo do Amarante. É lindo eles dançando, com saiotes brancos rendados. Mas esse o mestre João Menino - outro mestre espetacular - morreu. Os dois guias se desentenderam e um acabou com outro. Ainda fazem uns Congos, mas não mais na Sombra, lugar de origem perto de Uruaçu, onde tem o monumento dos mártires. Levei o grupo para dançar no TAM. Foi um sucesso estrondoso. A maior ovação que já assisti no TAM; uma coisa incrível.

E a Lei do Patrimônio vivo, de autoria do deputado Fernando Mineiro que deveria assistir a estes mestres e grupos?
Não entrou em vigor. É uma pena. Pelos conhecimentos que tenho o folclore do RN é o mais bonito e perfeito do Brasil. Temos o Bumba meu Boi do mestre Antônio da Ladeira, de Santa Cruz. Tem outro Boi bom, em Pedro Velho, no Distrito de Cuité, comunidade Quatro Bocas. Eles são tão primitivos que quando se apresentam, Mateus e Birico vão à frente do grupo levando lampiões de querosene acesos, numa espécie de varas, como faziam antigamente quando dançavam no mato sem iluminação. Tem ainda hoje o grupo Trapará, pros lados de Macaíba e São Gonçalo. Tem o Fandango fenomenal de Canguaretama. E a Chegança, em Barra do Cunhaú que merecem atenção especialíssima. Para se ter idéia da importância, esses dois grupos seriam os primeiros indicados pela Comissão de Folclore para serem beneficiados com a Lei de Mineiro. Ou basta dizer que tempo desse vieram dois folcloristas brasileiros só para ver esses grupos; fizeram documentação, e hoje estão lá sem maiores estímulos. Não sabemos até quando resistem. Vivem de migalhas salariais. O diretor da Chegança, Valdemir Marques é humilde, mas de uma sabedoria impressionante. São três horas de apresentação e ele sabe todas as cantigas. Talvez sejam os únicos do RN. E nas condições de beleza e fidelidade às tradições, são os únicos do Brasil. Temos ainda a Lapinha - acho que a única - em Barra de Maxaranguape, de Dona Moça. E o Caboclinhos de Ceará-Mirim, de mestre Birico.

Isso entre os autos. E entre as danças?
Tínhamos o Bambelô, em Natal, dançado na Avenida 4, de mestre Severino Guedes, mas esse acabou. Tem o Maneiro Pau, no Alto Oeste. O Côco de Roda, em Canguaretama. Em São Gonçalo há grupo tradicionalíssimo com o Espontão. Temos ainda o Bandeirinha, em Touros, e o Capelinha de Melão, em Caraúbas, que se apresentam no São João, além do Araruna daqui. São grupos e mestres que merecem melhor atenção.

* Matéria publicada no Diário de Natal, entrevista de Deífilo Gurgel publicada no jornal em abril de 2009.

domingo, 8 de maio de 2011

Tradicionalismo folclórico da fogueira:

O bumba-meu -boi junino

Manuel Balbino de Barros

Certamente o leitor achará exótico o subtítulo, interrogando: Meu Deus! o bumba-meu-boi não é um bailado do ciclo do Natal devendo ser incinerado no dia seis de janeiro?
Já foi exclusivamente. Agora, essa tradicional folgança se exibe em nosso meio pelo carnaval, nas festas juninas etc., fora da época histórico tradicional, e ninguém duvide que o boi-dos-reis venha a lançar futuramente, até em feiras aliás de tão popular que se nos apresenta.
No Rio Grande do Norte existe a prática da queima do bumba-meu-boi, no dia de Reis, quando se reúnem todos do popular bailado e jogam à fogueira quase todo o material de que se serviu o auto, se bem que essa brincadeira constitui um meio de ganhar o pão para os seus componentes, no período de sua exibição. Só escapam ao fogo cabeças dos bichos como as do bode e do boi, talvez, por ser difícil de se encontrarem outras, munidas de chifres grandes e resistentes bem como a de jaraguá e outras além dos espelhos que ornamentam as damas e os galantes.
É que essa folgança veio do Velho Mundo para o Brasil, onde tem sofrido profundas modificações tanto no que concerne aos personagens como no que diz respeito aos cânticos, loas etc. Os que brincam e se formaram nas caatingas ou sertões nordestinos têm que diferir dos que nascem pelos litorais, pelas zonas da mata e pelas metrópoles...
Assisti, no dia 23 de junho findo, ao bumba-meu boi de Antônio Pereira, dirigido pelo folclorista Sebastião Lopes, e que se exibiu na sede da Sociedade Folclórica de Apicucos, durante os festejos juninos deste ano, tendo se apresentado as seguintes figuras ou personagens: o boi, o cavalo-marinho ou capitão (o manda-chuva do folguedo) a burra caiu (burrinha), a ema, o babau, o morto-carregando-o-vivo, o pigmeu, o Mateus e o Sebastião.
Todas as figuras dançaram de uma só vez ao contrário no interior conforme presenciei no Rio Grande do Norte onde se sucedem as representações, saindo o jaraguá, o bode, o cavalo-marinho, o gigante (com sua inseparável mulher de duzentos anos), a burrinha, o engenho, o boi bem assim sucessivamente, outras figuras dramáticas e tradicionais havendo lá sempre o sacrifício do boi.
Antônio Pereira forneceu-me a relação das figuras bichos e personagens que compõem o seu bumba-meu-boi completo que são além dos que brincaram em Apipucos: o Mané-Pequenino, a pastorinha, o romeiro, o bêbado do Romeiro, o valentão, o queixoso, o mestre-tear, a Catarina, o doutor engenheiro, os cincos criados do doutor engenheiro, o fiscal, o guarda, o professor (para ensinar humoristicamente aos negros), o barbeiro (que corta os cabelos do Mateus e do Sebastião), o Mané-Gostoso, a baiana, o caboclo da meia-noite, o diabo e o vaqueiro.
Disse-me, ainda Mestre Antônio Pereira, que faz 55 anos que brinca e dirige bumba-meu-boi, e que foi a São Paulo, tendo brincado no Teatro Colombo e na fazenda Matarazzo, em 1954, sendo a sede do seu boi nos Afogados, nesta capital.
No estado do Rio Grande do Norte conforme verifiquei in loco são mais comuns nesse interessante bailado as seguintes figuras ora diferentes de nome, ora em personagens: o boi, o bode, a burrinha (Zabelinha), o jaraguá, o lagartão, o cavalo-marinho, o urubu, o engenho, o fantasma, o Mateus, o Birico (palhaço tipo vaqueiro de máscara de pele de bode, barbada e nariguda, dançador como o Mateus), a velha (Nanã), a caboclinha, o sisudo (que não fala, nem dança), o padre, o doutor, o fiscal, três damas e três galantes, o mestre, o contra-mestre, o gigante (cabeça, o caipora, o urso, o velho etc.
Se esse bailado tradicional não é originário do Nordeste brasileiro, pelo menos nele já foi introduzido um sem número de figuras, loas e cânticos regionais, formando um interessante sincretismo. As seguintes loas que anotei em Ceará-Mirim, (Rio Grande do Norte) em eloqüentes declamações do mestre, do Birico e do Mateus de um bumba-meu-boi a que assisti justificam:
O mestre:
Eu não conheço esse homem,

Nem que ele seja um barão
Que cumpre sua palavra,
Com dinheiro de algodão...

O Birico:
Pra dá hora só nambu,

Pra gritá só garapu.
Pra dá leite pelas costas,
Só o sapo cururu.
Pra te querê bem só eu,
Pra me desprezar só tu.
Não me tragas enganado
Meu santo do oio azu...

O Mateus:
Eu vinha de Baixa-Verde

Com destino a Taipu
Trazendo meu matulão
De couro de caitetu
De leite bom do sertão
Trazia a cabeça cheia
Até com o elo do pé
Eu via teu rasto na areia.

Eu vinha galopeando

No meu cavalo alazão
O cavalo deu um lombo
O Birico foi ao chão...

E quando o boi ressuscita dança novamente para a despedida, todos entoam ao som rebeca (rabeca), que é um instrumento inseparável do bois-dos-reis do estado potiguar:
Despedida, despedida

Quem se despede sou eu
Adeus, damas e galantes
Adeus, Birico e Mateus.
Meu sinhô dono da casa
Plantai a cana caiana
Quanto mais a cana cresce
Mais aumenta a vossa fama,
Se o povo preguntá
Quem passô neste lugá
Diga que foi os três reis:
Brechó, Gaspá, Batazá (Melchior, Gaspar, Baltazar).
Meu sinhó dono da casa
Já ganhemo o seu dinheiro
Adeus até para o ano.
Na entrada de janeiro...

Preferimos que o bumba-meu-boi seja exibido fora da época histórica a desaparecerem como tende juntamente com outros autos populares que já estão em franca decadência como o pastoril, exibição que teve sua origem em dramas litúrgicos e que tantos "sururus" ocasionava no Recife antigo, com suas mestras e contra-mestras dirigindo os cordões azul e encarnado, os congos, as lapinhas a ciranda (ou cirandinha), os fandangos ou cheganças etc., que tanto abrilhantavam os festejos do Natal como uma tradição da nossa vida folclórica...
 

(Barros, Manuel Balbino de. "Tradicionalismo folclórico da fogueira: o bumba-meu-boi junino". Diário de Pernambuco. 21 de julho de 1957)